quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um Conto Moderninho.



 

Bea tinha uns quilinhos a mais.
Felipe usava óculos de grau.
Bea e Felipe se davam muito bem.
Falavam horas sobre músicas, filmes e
Livros. Até faziam poesia.
Diria mesmo que se amavam.
Com lentes grossas
E abraços quentinhos.
Papai deu um presente inesperado para Bea
Uma lipo para tirar seus pneuzinhos
Bea remodelou a silhueta
E se transformou num cisnezinho.
Então a menina mais linda namorava Felipe
Até ser notada por Mauricinho.
Que voltou olhos e lábia para a gatinha.
Bea resistiu, mas só um pouquinho.
Afinal, Maurício, segundo as amigas,
Era o maior gatinho.
Felipe prendeu o choro.
Amarrou o bode.
Quis se matar.
Explodir o mundo.
_ A culpa é do capital!
Berrava Felipe no quarto
Escondidinho.
Até que mamãe lhe falou na cirurgia
E Felipe se despediu da miopia.
Seus lindos olhos foram vistos por Maria
Menina antenada, autora de um blog de sucesso
Onde falava de moda para outras meninas.
Felipe, que nunca pensou em agradar alguém como Maria
Viu-se aninhado entre pulseiras, maquiagem,
Ícones fashion, e coisa e tal.
Envaidecido Felipe casou com Maria.
Bea casou com Mauricinho.
Uns passaram a lua de mel em Paris
Outros moram no Vale do Silício.
Tiveram filhos e prosperaram
Multiplicaram talento e beleza
Carros, jóias e mais quinquilharias
Que só aumentam para preencher um tal vazio.
Antes de dormir dá uma tristeza em Bea
Ao lembrar dos tempos em que namorava Felipe
Que na Califórnia sente arrepios
Ao lembrar do seu abraço quentinho.




quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ocaso.





A tarde dobra a esquina
O sol logo alcançará o verso
A tarde dobra a esquina
O peito logo estará imerso
Na sombra que  se fará leito
Até o novo amanhecer 
Quando o sol aquecerá os ossos
E iluminará a tez 
Ardendo, arfando, prometendo...
Até que a tarde dobre a esquina
Outra vez.



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Boa Noite!


Largou o livro e levantou do sofá às pressas para terminar o jantar. O marido e os dois filhos adolescentes chegariam as dezenove horas e contavam com a mesa posta.
Conversariam sobre o dia. Na verdade a filha não andava falando muito ultimamente e isso a inquietava. Aguardava a oportunidade certa para abordá-la. Seria algum namorado? Uma menina bonita e inteligente deveria ter uma legião de interessados.
Lembrou-se de como se sentia na idade dela em relação aos rapazes e seu rosto adquiriu um ar travesso. Tentaria conversar  na primeira ocasião em que a menina ficasse longe do computador por mais de trinta minutos.
O filho , ao contrário, falaria entusiasmado sobre a faculdade. As novas ideias, os professores e os colegas eram  motivos de rasgados elogios e algumas críticas, até que o celular acusasse a primeira mensagem. Daí para frente ninguém mais em casa conseguiria manter um diálogo de  mais de duas frases com ele até o café da manhã.
O marido, coitado, chegava sempre exausto. Rosto e postura revelavam seu cansaço. Caprichar no jantar era uma maneira de confortá-lo. Salada, sopa e um bom bife acebolado com arroz soltinho. Comida caseira como ele gostava e só ela sabia fazer.
Foi uma luta aprender. Ela tinha certeza que não tinha talento para cozinhar. Era estudiosa e ambiciosa. Começou uma carreira que prometia ser brilhante quando o conheceu e apaixonou-se perdidamente. Mudou de cidade e achou a felicidade no lar.
Encontraria uma maneira de falar com ele sobre a viagem no próximo feriadão. Só os dois. Afinal os filhos já tinham idade para passar três ou quatro dias sozinhos.
Enquanto colocava a louça da máquina pensou que ninguém havia reparado na nova cor do cabelo. Tanto dinheiro gasto nas luzes! O cabelereiro disse que ela havia rejuvenescido dez anos. Como alguém remoçava dez anos e a família não nota? Talvez fosse por causa da iluminação da cozinha. Às vezes ela sentia um escuro na alma naquela hora do dia ali. No quarto ele perceberia. Com esperança terminou as tarefas domésticas e foi tomar um banho.
A água descia sobre seu corpo preparando-o para a noite que ela idealizava há algum tempo. A touca de plástico protegia os cabelos. A cabeça vagava entre a tarde no salão, a viagem à praia e o marido já de banho tomado ainda trabalhando no notebook. Não o deixavam em paz, coitado.
Após o banho, deu uma passadinha nos quartos dos filhos, mas sequer foi notada. A filha digitava um trabalho da faculdade. O filho dava risadas com amigos que ela não conhecia em conversas através do celular.
Ao entrar no seu quarto criou ânimo para conversar com o marido. Aproximou-se e ensaiou um afago. Ele pressentiu e interrompeu seu gesto com o melhor sorriso que pode esboçar. Estava terminando um relatório. Teria que enviar por e-mail até a meia-noite.
Não o incomodaria. Estava ela, também, cansada e subitamente vazia. Vazia e seca. Vazia e triste como o verso do poema que lia antes de preparar o jantar e não lhe saíra da cabeça desde então. "Senhor, a noite veio e a alma é vil" dizia o poeta em uma prece.
Adormeceu com a certeza de que na manhã seguinte aceitaria o convite para trabalhar em uma editora onde uma amiga exercia um cargo de gerência e estava precisando de uma assistente, mas antes compraria um computador para pagar com o primeiro salário.

Evelyne Furtado, 07 de janeiro de 2013.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Crônica de fim de ano.

O calendário marca 27 de dezembro de 2012. Se ainda se usasse folhinhas coloridas nas cozinhas estaríamos a quatro dias de - com certo aperto no peito- arrancá-las da parede.
As imagens sagradas (é verdade que alguns preferiam as mais profanas) ou de lugares paradisíacos teriam o lixo como destino.
O ano passou em uma velocidade absurda entre trancos e barrancos, mas não acabou como queriam os profetas apocalípticos usando a civilização Maia como fonte segura.
Graças a Deus teremos um ano inteiro para arrumarmos a casa para a Copa do Mundo. Teremos festa, sim. 
Em Natal o trabalho será árduo.  A cidade padece as consequências do desgoverno e da falta de vergonha.  Como se não bastasse os descalabros que tivemos que suportar na gestão da prefeita afastada, nos últimos dias a sujeira passou a afrontar nossos sentidos e a nossa dignidade.
Hoje à tarde testemunhei o lixo amontoado nas ruas e noticiado na TV. Havia sujeira até nas imediações do Forte dos Reis Magos, a edificação mais simbólica da cidade. Senti tristeza ao ver canudos usados, cocos verdes, latas e garrafas vazias jogados na passarela que leva à fortaleza.
 Mas meu olhar se desviou na direção da ponte e me deparei com um pôr -do - sol magnífico concedendo uma cor indescritível às águas do Rio Potengi. Do outro lado a Praia da Redinha e atrás de mim a certeza do mar banhando a areia.
A paisagem venceu a ação humana danosa. A esperança ganhou novas cores. Já me animo a arrancar a folhinha e por uma nova no lugar.  Que 2013 venha bonito como essa tarde e se possível passe um pouquinho mais devagar.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Não troco minhas esperanças por nenhum reino de Espanha", disse Sancho Pança em Dom Quixote. Nem eu, Sancho. Nem da Espanha , nem de lugar algum. 
Troco um reino qualquer por mais esperanças para mim, para os que amo e para todos que de esperanças precisem para viver e amar melhor, desejando que o real sentido da data brilhe mais que as embalagens e que o amor vença todos os sentimentos contrários. Feliz Natal !

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Po-ética da Psicanálise.

Um diálogo com a arte.


“E aquele que não morou nunca
Em seus abismos ... Não foi marcado.
Não será expostos às fraquezas,
Ao desalento, ao amor , ao poema”
Manoel de Barros

A psicanálise conversa com arte desde seu nascimento. Sigmund Freud, seu criador, sorveu e serviu-se da poesia, do teatro e das artes plásticas na construção de sua teoria. Sófocles, Shakespeare, Da Vinci, Michelangelo e Goethe, entre outros, inspiraram, ilustraram e embasaram sua criação.
Freud afirmou que “onde quer que eu vá eu descubro um poeta esteve lá antes de mim”. Foi ele, também, um poeta ao se guiar pela intuição - matéria prima do poeta – ao materializar a teoria que revolucionou o pensamento ocidental no século XX.
Freud deu um destaque especial ao amor, tema maior dos poetas, concluindo que  é preciso amar para não adoecer. Mas foi além ao prever que há amores impossíveis de se realizar e que, portanto, esses amores provocariam a doença quando impedidos. Então vislumbrou a sublimação como outra via de não adoecimento.
Sublimar, segundo Freud, é dirigir a pulsão sexual para outro objeto. Em O Mal – Estar na Civilização ele fala sobre a alegria do artista, que através do trabalho psíquico e intelectual, eleva suficientemente o ganho do prazer ao desviar a libido produzindo arte.
A Psicanálise e a arte continuam entrelaçadas. Hoje incluímos o cinema nesse namoro. A sétima arte mergulha no inconsciente e devolve aos amantes da psicanálise farto material para debate e aprofundamento.
Ao falar em amor falo em desejo, pois amor realizado pressupõe confluência de desejos. Conhecemos a felicidade quando os desejos completam-se. Enfrentamos  desprazer quando os desejos não se encontram.
Pois bem, ame e seja amado. Se houver impedimento tente sublimar fazendo arte. Chore pitangas em verso e prosa. Faça uma escultura. Cante, dance e sapateie. Pinte e borde. Fotografe ou faça um curta metragem.
Ame ou sublime. De preferência, ame. Porém, se não for possível amar, nem sublimar,  respeite o desejo do outro. Afinal, a ética foi criada para possibilitar a paz na ausência do amor. 
Evelyne Furtado, 04 de desembro de 2012.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Uma Página de Proust









Pois bem, eu lia Proust e me despedia de novembro. O livro em questão traz na folha de rosto a data em que o comprei: 10.12.1984. 
A memória resgata a frustração que senti frente ao discurso do escritor francês. Uma pontada no orgulho da leitora voraz que eu era. 
Aí já expresso o motivo da dificuldade. Proust não é leitura para ansiosos. Não é prato para glutões. Muito menos para uma jovem recém-casada, entrando na casa dos vinte anos, estudante de direito e trabalhando dois expedientes.
Para ser honesta, o casamento recente, o trabalho e a faculdade de direito são desculpas esfarrapadas. Na verdade a minha alma alvoroçada e a imaturidade eram os reais impedimentos.
Proust requer paciência, método e muita sensibilidade. O leitor que deseja ação perde-se nas descrições e nas vírgulas do mestre estilístico.
Proust também exige compreensão das diferenças de classe sociais tão  bem detalhadas nas suas narrativas e coragem para mergulhar no mar revolto do inconsciente.
O francês tece  com  delicadeza e precisão  forma  e conteúdo. Vai das firulas do trato social  às profundezas da alma com a mesma precisão.
Bem, eu dizia que lia Proust na madrugada. Hoje me confesso mais paciente e madura. Em meio aos textos acadêmicos que sou obrigada a ler - agora cursando Psicologia- procuro tempo para degustar pelo menos uma página de Proust por dia.
Continua não sendo fácil. Não é o meu escritor preferido. Não sou a ideal leitora de Proust. Permaneço inquieta, ainda, mas vou além das Madeleines e sou tomada por trechos que me tiram o fôlego de tanta beleza. Sou afetada pela luz de Paris e pela surpresa do tempo que volta resgatando o que imaginamos perdido.
Lia Proust  na madrugada na qual dezembro começou. Não sei se lerei outros volumes de Em Busca do Tempo Perdido. Corro para viver o tempo presente, com um pouco mais de calma, como requer Proust e os melhores nacos da vida, mas retorno aos quinze anos onde olhos de dezenove me esperam no portão.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sentido.




Que seja uma frase, uma causa, um gesto. Que seja exemplo de bom caráter.  Que seja bondade. Que seja uma linda história de amor, de preferência feliz. Que seja uma espetacular virada no percurso.

Que seja cultivar o amor à vida. Que seja um relato pleno de afeto entre avó e neta, tal como minha mãe falando sobre seu avô a Isabella, minha sobrinha.

Que seja um bonsai,  que ele te faça acordar. Que seja uma tela que precise de novas cores todos os dias. Que seja um parágrafo sublinhado naquele livro escolhido para por a leitura em dia.

Mas dê sentido à sua existência agora. Quem sabe alguém  imortalizará você lá na frente em uma galeria,  em um  livro, em  um  filme,  em um nome de rua, em uma conversa em família ou mesmo em uma mesa de bar.

Evelyne Furtado, 05 de novembro de 2012.